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Há um efeito colateral da palestra que o presidente Jair Bolsonaro deu a embaixadores explicando como e porque dará um golpe de Estado. Desde segunda (18),cassino pagando no cadastro sem deposito - a pauta política nacional está sequestrada pelo assunto, dando menos espaço a outros problemas. Como a alta no preço do leite.
É simplista achar que Bolsonaro e seu núcleo de comunicação, que dá um banho em analistas, jornalistas e políticos desde 2018, não previam a repercussão negativa do show de horrores perpetrado por ele. O presidente e seu entorno podem ser toscos, mas burros não são.
A queda nos preços dos combustíveis, seja pelo impacto da limitação do ICMS, seja pela redução do barril do petróleo em todo o mundo, já se faz sentir, aliviando a barra principalmente da classe média. Mas os alimentos continuam caros, pressionando a fome que, na última contagem, já atingia 33,1 milhões.
Símbolo disso é o litro de leite, que chega a R$ 10 em alguns lugares, e a venda de pelancas e ossos para quem não pode comprar carne, frango e ovo.
Um pequeno alívio virá com o pagamento dos R$ 200 extras e do aumento no valor do vale-gás a partir de agosto, resultado da PEC da Compra dos Votos.
Até lá, o presidente da República tenta evitar que sua imagem seja cristalizada como a do candidato dos preços altos e da inflação, principal problema nacional apontado pelos institutos de pesquisa. Até porque, para vencer, precisa retirar votos de Lula entre os mais pobres, para quem os alimentos são o principal componente do orçamento.
De acordo com o último Datafolha, Lula vence Bolsonaro por 56% a 22% entre quem ganha até dois salários mínimos. Esse grupo representa 52% da população, segundo o instituto.
Óbvio que a consumação de um golpe de Estado por Jair Bolsonaro enfiará o Brasil num buraco escuro e fedorento por muitos anos, afetando principalmente os trabalhadores - que terão direitos e proteções reduzidas, como seu governo vem tentando fazer desde o início.
Mas o debate sobre o golpismo escancarado, que tem preenchido os debates da classe média, seja ela contra ou a favor do presidente, não tem a mesma tração entre os mais pobres - que estão mais preocupados com a sobrevivência imediata. Para muita gente, discutir golpe é "privilégio" de quem não está passando fome.
Não à toa, o presidente prefere muito mais ser chamado de "golpista" ou "genocida" (por conta dos 675 mil mortos por covid-19) do que de "Bolsocaro".
Outro efeito colateral é que assim que começaram as críticas ao presidente por conta de seu stand up de horror no Palácio do Planalto, a máquina de guerra digital do bolsonarismo nas redes sociais, no Telegram e no WhatsApp passaram a usar o episódio para bombar a micareta golpista de 7 de setembro, mas também o esquenta de 31 de julho.
Vale lembrar que o principal público-alvo do evento não eram as representações diplomáticas estrangeiras, mas o eleitorado de Bolsonaro - que recebeu a mensagem de que o "mito" estava avisando o mundo de que um golpe estava em curso. Ironicamente, eles acham que o golpe é contra Jair e não do Jair.
O evento de segunda-feira cumpriu diferentes funções. Engajou seguidores, aumentou a tensão com o TSE e o STF, mostrou apoio político ao presidente (muito se fala do silêncio de Arthur Lira e Augusto Aras, mas não daquele dos líderes do PL, PP, PTB e Republicanos), sequestrou a agenda nacional e, claro, jogou as conhecidas cortinas de fumaça sobre problemas que ele não consegue resolver.
Ganha, com isso, tempo - que está cada vez mais curto e, por isso, precioso. Faltam 74 dias para o primeiro turno.
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